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Destaque

O que será do Egito?

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

As últimas semanas têm sido angustiantes para quem em 2011 comemorou a queda do presidente Hosni Mubarak como mais uma etapa da Primavera Árabe e continuou a acompanhar o desenrolar da história no Egito – que, agora, parece já ter atravessado sua fase de Outono e alcançado contornos de pouco receptivo Inverno.

Desde que o exército do país derrubou, no início de julho, o presidente democraticamente eleito Mohhamed Morsi, mais de 800 opositores (apoiadores da Irmandade Muçulmana, que dava sustentação política a Morsi) já foram assassinados. Como reação, manifestantes saem às ruas, em protestos que exigem a volta do ex-presidente. E a repressão continua fazendo vítimas no Cairo e em outras grandes cidades, espalhando o terror.

Para complicar um pouco mais, na última quarta feira, 21 de agosto, os jornais noticiaram que o antigo ditador Hosni Mubarak receberá ordem para sair da prisão, onde está desde 2011, e conquistará o direito a regime de cárcere domiciliar. Estará novamente mais perto da população, representando possível alternativa para no mínimo interferir mais diretamente no conturbado cenário político egípcio.

“Havia um temor de que a presença da Irmandade Muçulmana, que é uma associação religiosa presente em todos aqueles países, no poder no Egito acabasse islamizando a região”

O administrador Roberto Gondo, coordenador da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação Política (POLITICOM), acredita que a confusão e a violência no Egito devem-se a dois fatores principais. “Ali é um barril de pólvora, os grupos étnicos e religiosos travam embates violentos desde sempre, essa é a maneira tradicional de eles disputarem espaço e poder”. Ele continua: “O outro motivo é a falta de maturidade política e democrática para lidar com as insatisfações. O Egito não tem tradição democrática de embate político, então as reações são impacientes e exacerbadas”, completa, em entrevista à revista Giz.

O analista, também professor da Universidade Mackenzie, ressalta que o atual momento só pode ser compreendido como consequência direta dos movimentos que começaram em 2011. “Gosto de pensar que tudo está por trás de um sonho antigo dos egípcios, que é a democracia. Eles vêm tentando há tempos, mas ainda não alcançaram. Nos últimos dois anos, as coisas se intensificaram”.

Além da disputa aguerrida entre grupos religiosos e etnias e da falta de maturidade política, outro entrave para os egípcios chegarem à sonhada democracia é a atuação dos militares no país. Ao contrário do que se vê nos países da América Latina, por exemplo, as Forças Armadas egípcias não cuidam apenas das questões de defesa e segurança nacional. “Durante a ditadura de Mubarak, os militares tinham muita liberdade para atuar não só na política como também na economia. A gente já previa que eles não se afastariam tão facilmente do poder. Eles continuaram sendo uma alternativa de poder”, explica o coordenador do Politicom.

Em entrevista à GloboNews, programa “Entre Aspas”, o cientista político Heni Ozi Cukier apontou que o massacre de civis no Egito revela uma fraqueza dos militares, mas, por outro lado, mostra que os generais estão se aproveitando do momento. “Quando eles tiraram o Morsi do poder eles acharam que tinham o apoio popular. As manifestações para derrubar o Morsi foram muito grandes e eles perceberam que era hora de aproveitar o momento de insatisfação com a Irmandade Muçulmana e tentar acabar com o oponente político”.

Cukier, que também é professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), alerta que a situação hoje é muito grave e o Egito pode seguir o caminho de uma guerra civil. No mesmo programa da emissora noticiosa, a historiadora Arlene Clemesha, professora de História Árabe da USP, defendeu que o Egito sempre esteve sob o comando do exército, desde 1952, com a revolução dos oficiais livres.

Toda essa situação se complica ainda mais com a pergunta: “A comunidade internacional não vai agir para impedir o derramamento de sangue?”. O que se encontra, segundo Gondo, é um silêncio que beira a irresponsabilidade por parte dos Estados Unidos e uma delicada aprovação por parte da Arábia Saudita ao regime de intervenção.

O historiador Sidney Leite, que também conversou com a Giz, concorda. “A gente pode falar em retórica protocolar. A comunidade internacional se manifestou timidamente em relação ao afastamento do presidente Morsi e os Estados Unidos estão empenhados em não caracterizar o evento como golpe militar”. De acordo com Leite, que é professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes, essa postura se deve ao fato de que, para os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e boa parte da oligarquia tradicional do Oriente Médio, não é má notícia a Irmandade Muçulmana deixar o poder.

“Ali é um barril de pólvora, os grupos étnicos e religiosos travam embates violentos desde sempre, essa é a maneira tradicional de eles disputarem espaço e poder”

“Havia um temor de que a presença da Irmandade Muçulmana, que é uma associação religiosa presente em todos aqueles países, no poder no Egito acabasse islamizando a região”, comenta. A mistura entre religião e política não é vista com bons olhos por esses players.

Em entrevista à Agência Carta Maior, o porta-voz da Irmandade Muçulmana em Londres, Mona Al-Qazzaz, nega essa costura e garante que não é verdade que a Constituição egípcia tenha sido inspirada por princípios do Islã. No entanto, não é essa a percepção que o mundo tem. Mais: a sensação geral é que, se a afinação da Constituição aos preceitos do Corão de fato se desse, o Egito seria um trampolim para as pretensões políticas da Irmandade Muçulmana.

De qualquer sorte, são mais de 800 mortos em apenas uma semana, segundo os números oficiais. Terror. Como justificar o silêncio? “As Forças Armadas do Egito têm a confiança do ocidente, portanto – e é um horror dizer o que vou dizer – o número de mortes não chega a surpreender as potências internacionais, que entendem esse momento como um sacrifício pontual para evitar um mal maior”, lamenta o professor da Belas Artes.

Já em 2011, quando os egípcios superaram momentaneamente suas diferenças e ocuparam a Praça Tahrir, no Cairo, os especialistas alertavam que Mubarak até poderia cair, mas que seria muito difícil os militares se afastarem do poder. E é esse o cenário que vem se consolidando. Sobre o futuro, Leite lembra que os historiadores especializados em Oriente Médio sempre destacam a imprevisibilidade dos acontecimentos da região. Segundo ele, há uma semana era possível dizer que um governo de coalizão poderia ser costurado. Os militares inclusive sinalizavam para isso. Hoje, já não se pode afirmar que essa alternativa seja factível. “O que imagino – e que é uma boa fotografia do que é o Egito – é esse regime militar se consolidando. Ou seja, um futuro de regime Mubarak sem o próprio Mubarak”, conclui.

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