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Os educadores pelos olhos da imprensa

A Pesquisadora, e também jornalista, Kátia Zanvettor, reflete sobre como a sociedade enxerga o professor a partir das notícias veiculadas sobre educação. “Uma coisa é ouvir e publicar a fala de uma professora de Escola Municipal. Outra coisa é citar o professor da Universidade de São Paulo, que é especializado em educação” diz. Leia o texto na íntegra.

 

Elisa Marconi e Francisco Bicudo*

Como tantas outras jornalistas, Kátia Zanvettor começou na profissão estagiando em redações de jornais do interior de São Paulo. Mas foi na assessoria de imprensa de uma universidade que essa campineira deu um passo importante: poder perceber que havia algo de especial na relação complexa que se estabelece entre a imprensa e o universo da Educação. Buscando respostas para as indagações que nasciam dos encontros nem sempre tranquilos entre instituições de ensino e a mídia, a jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp) mergulhou numa especialização em comunicação. “Naquele momento entendi que as matérias jornalísticas que a gente produzia na assessoria de comunicação poderiam ser úteis para a educação. Decidi investigar e pesquisar essa questão”, lembra.

A partir desse primeiro contato, a pesquisadora começou a construir – peça por peça – uma ponte entre a comunicação e a educação. “O passo seguinte foi o mestrado”, conta Kátia. Escolheu o programa de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e trabalhou com um programa do jornal O Globo chamado “Quem lê jornal sabe mais”, hoje já extinto, mas que na época propunha parcerias com escolas e professores e fazia o jornal entrar em sala de aula. “Conheci esse programa ainda na especialização e fui tentando entender os pontos de contato entre jornal e educação. E já ali me chamou atenção como alguns professores apresentavam certa resistência ao uso do jornal em aula. Achei intrigante”. Em 2006, aconteceu a defesa da dissertação Quem Lê Jornal Sabe Mais? – As relações discursivas entre educação e jornal, orientada pela professora Edith Ione Frigotto. Naquele trabalho, a autora descreveria uma percepção instigadora.

“Não é que os professores não quisessem ou não usassem o jornal em sala de aula. Muitas vezes, os educadores não gostavam da maneira como a mídia ‘ensinava’ o professor a usar ‘corretamente’ o jornal nas atividades. O professor entendia que era capaz de decidir sozinho a melhor maneira de aproveitar o recurso’”, explica.

Mas não bastava. Pouco tempo depois, Kátia ingressou no doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP). E, agora, profundamente tocada pela questão da relação entre o professor e a mídia. Debruçada sobre a figura do educador, o ponto nevrálgico do processo de educação, seus simbolismos e significados, a pesquisadora começa a construir o trabalho Quando o professor é notícia: imagens de professor e imagens do jornalista, tese orientada pelo professor Vojislav Aleksandar Jovanovic e defendida em julho último.

Logo no início da pesquisa, Kátia defende que, da maneira como é feito hoje, o texto jornalístico acaba homogeneizando a figura do professor e, partindo de pré-julgamentos, o repórter acaba pintando um educador sempre mal formado, que não consegue falar sobre sua situação profissional e, por isso, depende de porta-vozes mais especializados. Uma visão, de um modo geral, pejorativa.

“Não entrevistei professores na minha tese, mas tenho certeza de que esse perfil não combina com todos os professores do Brasil”, afirma.

Para entender como se chega a essa situação, é preciso lembrar que o jornalismo deve – acima de tudo – servir ao interesse público (nesse caso, público se refere a povo, ao conjunto da sociedade) e respeitar alguns preceitos fundamentais da profissão, como ouvir os diferentes lados de uma mesma história para buscar construir a melhor versão da realidade. Há regras claras – éticas, inclusive – para apurar, desenvolver a pauta, entrevistar as fontes e, por fim, construir uma narrativa jornalística plural, séria e responsável. No entanto, o que a pesquisadora mais encontrou em seus estudos foram textos baseados em apostas prévias, em premissas pré-definidas, nos quais as entrevistas e o olhar do repórter serviam mais para corroborar e legitimar teses nas quais o jornalista já acreditava.

E no que os jornalistas acreditam? “Que o professor é um profissional que nunca está pronto, que precisa ser mais bem formado e que, por isso mesmo, não serve muito como fonte confiável de informação para as reportagens”, aponta a jornalista.

Resultado: se o professor não é capaz de falar por si, o repórter vai atrás das vozes de autoridade para explicar as situações. “O jornalismo brasileiro ainda é muito ligado ao discurso oficial. Na cobertura da educação, o Ministério e as Secretarias Estaduais e Municipais são as principais fontes”. Ela continua explicando: “Outro recurso muito utilizado é buscar os especialistas em educação nas universidades. Uma coisa é ouvir e publicar a fala de uma professora de Escola Municipal. Outra coisa é citar o professor da Universidade de São Paulo, que é especializado em educação”, completa.

Em princípio, não há nada de errado em ouvir as autoridades educacionais e os especialistas, ao contrário, são fontes também relevantes. O problema está na hierarquia, na grife, num certo monopólio da fala, na crença de que o professor que atua em sala de aula, aquele das séries iniciais e da educação pública, não sabe o suficiente para ajudar a construir e sustentar uma reportagem. “É exatamente o que eu disse antes. O professor é tão capaz de ter voz que, por vezes, repele a maneira pela qual a imprensa sugere que ele use o jornal em sala de aula. Tudo indica que o educador sabe sim o que quer fazer”.

Além de sugerir ao professor como trabalhar, as matérias jornalísticas com as quais a pesquisadora trabalhou para delinear o perfil do professor na mídia indicavam outra postura duvidosa e pouco afinada com os preceitos jornalísticos. Seguindo a Análise do Discurso de Michel Pêcheux (filósofo francês, 1938-1983), linha teórica adotada pela autora para fazer as reflexões, toda linguagem é atravessada pela sociedade.

Ou, em outras palavras, cada vez que escolhemos uma palavra para designar qualquer coisa, aquela escolha foi toda permeada por pressupostos, pré-entendimentos e pré-julgamentos. O que derrubaria o mito da objetividade jornalística.

Contudo, se não é possível ser objetivo (no sentido da isenção, da neutralidade), a apuração deve ser honesta, transparente, equilibrada e dar aos envolvidos tratamentos iguais. Daí a exigência da melhor versão possível da realidade. “Percebi que já a apuração, e depois a construção da narrativa e da mensagem, corroboravam com uma aposta prévia, um pré-julgamento e desembocavam na construção de um personagem – o professor – pouco respeitável”, afirma. Mesmo quando especialistas em educação falam sobre os colegas, os velhos pressupostos voltam à cena, chegando ao cúmulo de os professores serem apontados como responsáveis pela situação da Educação no Brasil.

“Até as soluções sugeridas pelas autoridades ou pelos especialistas entrevistados são senso comum e não fazem avançar a discussão: falta formação e os salários são baixos”.

A jornalista ressalta que essas sempre foram bandeiras históricas dos educadores, mas mudam de mãos e nunca são resolvidas. O ponto elevado do discurso oficial apresentado é uma sugestão muito sutil, mas presente de acordo com a pesquisadora, de exclusão dos atuais professores – que são mal formados, dão aulas em muitas escolas e ganham pouco – e uma aposta em outra geração de mestres, essa sim mais bem preparada para lidar com a realidade socioeconômica do país e, por isso mesmo, digna de ganhar melhores salários. “Publicando ideias assim o jornalista não ajuda muito”. O efeito mais nefasto dessa imagem sofrível de professor que a imprensa apresenta é a crença por parte dos educadores de que eles são mesmo despreparados para lidar com os alunos, com os conteúdos e com os contextos socioeconômicos. E, se o professor não acredita em si, despreza o próprio trabalho e entra em classe inseguro, o ensino e a aprendizagem fatalmente não terão um bom desempenho.

Coerente, Kátia não se propôs a identificar soluções mágicas para a questão. “Se critiquei a maneira pela qual a mídia insinuava que sabia como o professor devia desempenhar seu trabalho, também não posso dizer aos meus colegas jornalistas como eles devem apurar, entrevistar, escrever e publicar seus textos”, pontua. Por outro lado, é impossível não perceber que falta pluralidade no jornalismo brasileiro em geral e na cobertura educativa, especialmente.

“O jornalista precisa enfrentar a pluralidade que a realidade oferece. Diversidade de assuntos, de fontes, de caminhos para apurar. A ressignificação do jornalismo é papel da academia”, propõe a pesquisadora.

Outro caminho é a valorização do trabalho do educador. “Quanto tempo ainda vamos precisar para atribuir ao professor seu lugar de fonte importante e confiável?”, pergunta a jornalista. Essa ela responde: “Esse é um dos papeis das agremiações de professores, encontrar o lugar de autoridade, de fonte, que o professor médio hoje não tem”. Para além da pluralidade de vozes e da construção da confiança pública no professor, seria desejável que a cobertura da educação fosse mais frequente e, por que não, mais profunda. Na outra ponta, de acordo com a autora da tese Quando o professor é notícia: imagens de professor e imagens do jornalista, seria fundamental ainda o professor “ter a coragem para assumir a condição de educador, para desempenhar esse trabalho na sala de aula e para lutar pelo respeito que merece, sem medo de educar”, conclui Kátia.

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