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Educação

Bienal em debate

By 13/08/2012No Comments

“Estaríamos diante do esgotamento de um modelo?” Editores e escritores discutem o atual formato da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que aconteceu em agosto, no Centro de Exposições do Anhembi, analisam os caminhos, os números e refletem sobre mudanças que seriam bem-vindas no evento.

Leia a reportagem ►

 

        Elisa Marconi e Francisco Bicudo*

Os dias que antecederam a abertura da 22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo foram agitados. Não apenas no grande Centro de Exposições do Anhembi, como era de se esperar, e onde novamente a Feira acontece, mas também nos bastidores do mundo literário, por onde circulam escritores, editores, livreiros e leitores. A razão da efervescência – talvez seja amargo constatar – não foi a programação cultural, ou as novidades que regularmente orbitam o mega-evento. Na verdade, discutiu-se – e ainda hoje os envolvidos seguem debatendo – o modelo, o espírito e o futuro da Bienal do Livro.

O diretor do grupo Summus, Raul Wassermann, publicou artigo no jornal Folha de S. Paulo questionando se a conta de um evento com as características da Bienal fechavam. Foi o ponto de partida para a reverberação dessa querela na mídia – e, claro, é preciso estar atento aos diversos interesses e projetos envolvidos. Em linhas gerais, escritores e editoras apontam a necessidade de atualização do formato, das atrações, da remuneração dos participantes. A Câmara Brasileira do Livro (CBL), organizadora do evento, defende que a feira vai muito bem, obrigada, e recebe mais de 740 mil visitantes a cada edição.

É fato que a Bienal continua a ser evento de extrema relevância e que cresceu em relação à última edição: de acordo com a CBL, em 2010, foram 283 expositores nacionais, 67 expositores internacionais, 950 selos editoriais presentes, 1.100 horas de programação cultural e 743 mil visitantes.

Em 2012, serão 346 expositores nacionais, 134 internacionais, 1.100 selos, 1.250 horas de atividades culturais e público estimado de 800 mil pessoas. Quantidade, no entanto, nem sempre vem acompanhada de qualidade.

Esgotamento de um modelo?

Em entrevista exclusiva à Revista Giz, Wassermann explicou que “ninguém defenderia o fim da Bienal, que é uma tradição. A discussão é sobre o esgotamento de um modelo”.

A preocupação faz sentido. Quem visitou a feira nos últimos anos deparou-se com um grande mercado de livros, com estandes de saldos, muita gente circulando pelos corredores e pelos espaços das editoras, filas de crianças uniformizadas, puxadas pelas mãos – até com certa pressa – por professoras exaustas depois de passear por tantos corredores.

Wassermann, que foi presidente da CBL há alguns anos e já naquele tempo tentou fomentar o debate a respeito da modernização da Bienal, lembra que a feira nasceu com o intuito de mostrar as novidades das editoras para o público, mas que essa razão de ser vem perdendo força diante das opções que o mundo oferece hoje aos leitores. “A Bienal nasceu para mostrar aos livreiros e ao público de leitores aquelas novidades que toda editora tem, mas que era impossível expor nas livrarias. Primeiro abríamos para os profissionais do mercado e depois ao público, que não era dessa monta que alcançamos hoje”.

Não é necessário fazer muito esforço para perceber as transformações nessa área da produção, distribuição e consumo de livros e em que pontos a Bienal ficou para trás. “O leitor que é leitor mesmo, se não acha um livro na livraria, busca pela internet, encontra e encomenda em qualquer lugar do mundo, não fica esperando a Bienal”, aponta. Outra característica que mudou radicalmente foi a política de descontos. Na visão de Wassermann, “editoras não têm a tradição de vender com desconto na Bienal. Hoje, sem desconto, não há venda. Comercialmente, a Bienal serve para bancar as entidades de fomento à leitura, como a CBL, mas não as editoras”. Em reportagem assinada pelos jornalistas Raquel Cozer, Marco Rodrigo Almeida e Matheus Magenta, na mesma Folha de S. Paulo, o superintendente da editora Melhoramentos, Breno Lerner, confirma a percepção.

“Vemos como oportunidade de interação com o leitor. Se a meta fosse recuperar o investimento com as vendas, não poderíamos participar.”

Então por que os livreiros continuam participando? Simplesmente porque, na opinião da maior parte deles, não dá para ficar de fora de um evento dessa magnitude, com essa importância e imagem. Mas fazem coro à ideia de que é preciso renovar o modelo.

Outro grande atrativo da Bienal era o Salão de Ideias, em que autores e convidados de outras áreas, brasileiros e estrangeiros, debatiam literatura, geopolítica, artes, economia, enfim, temas relevantes e empolgantes. Já há algumas edições, essas participações vêm minguando.

Este ano, inclusive, as mesas estavam ameaçadas de não acontecer. A organização da feira precisou recorrer à ajuda das editoras para oferecer grandes nomes ao público.

Cristovão Tezza, autor – entre outros – de O filho eterno e do recém-lançado O espírito da prosa, saiu de Curitiba, no Paraná, na manhã da sexta 10 de agosto, para vir a São Paulo participar da inauguração da Bienal deste ano. Esteve na mesa “O autor e seu tradutor” e passeou entre os estandes de editoras e prateleiras de livros. Refletindo sobre as razões de ter vindo à capital paulista para fazer parte do evento, Tezza disse que nem imaginou não prestigiar. “Estar na Bienal é muito bom, o contato com o público é ótimo, nem pensei em não aceitar o convite”. Ele tem acompanhado as discussões a respeito do esgotamento do modelo e concorda em grande parte com o que vem sendo dito.

“A Bienal se agigantou em todos os aspectos. Muitas editoras, muitos livros, muito público. Virou um mercadão em que o charme passa bem longe. Por outro lado, justamente esse gigantismo faz com que o livro vire notícia. E isso, por si só, já é bom”.

Shopping dos livros

Contudo, o romancista revela que alguns escritores não topam participar porque percebem que a Bienal se descarrilou de seus propósitos iniciais e, na contramão das festas literárias, foi virando um shopping. Além de os autores não serem remunerados, parte deles não acredita que esse formato de fato fomente o mercado editorial e forme leitores. Embora a Câmara Brasileira do Livro não tenha respondido aos pedidos de entrevista que a Revista Giz fez, manifestou-se em outros veículos. A presidente da instituição disse, por exemplo, à reportagem já citada da Folha de São Paulo que os escritores “participam por prestígio” e atribuiu o não pagamento aos artistas por “problemas no orçamento e dificuldade de captar recursos via Lei Rouanet”. Ainda de acordo com o jornal, os investimentos previstos para esta edição chegam a quase R$ 32 milhões; em 2010, foram de cerca de R$ 30 milhões.

Para Wassermann, e também para Tezza, não há solução imediata, fórmula mágica nem receita pronta para essa questão. Ambos concordam que as feiras e demais eventos literários são necessários e muito bem-vindos no Brasil. Mais ainda:

“Num país iletrado como o nosso, tudo o que se fizer em nome da leitura ainda é pouco. Ou seja, tem lugar para outros formatos e outros modelos”, anima-se o escritor.

“A gente precisa encarar o século 21 com as características que ele tem. Por exemplo, dividir os públicos, em feiras menores”, propõe o editor.

A ideia, lançada no artigo e apoiada por editores e escritores, sugere que a Bienal abra primeiro para livreiros e só depois ao consumidor final. A alternância do público garante que as livrarias sejam atendidas como merecem, e as famílias, os alunos e simpatizantes em geral, também. Outra possibilidade, na visão de Wassermann, é criar feiras para adultos e feiras para o público infanto-juvenil. “Quando apertados num mesmo espaço, se atrapalham mutuamente. No Rio de Janeiro isso já existe,em São Paulonão pegou”. Na opinião dos dois entrevistados, os eventos culturais não podem ficar em segundo plano, porque não é a aquisição do livro que produz o leitor, é antes a aproximação do mundo da leitura, que é mediada necessariamente por pessoas, por facilitadores: pais, professores, contadores de história e autores, evidentemente.

Wassermann insiste nas críticas ao que chama de tamanho desmedido da Bienal. “É cansativo”. Segundo Tezza, “até o preço precisa ser revisto. Para uma família com pai, mãe e dois filhos, o programa ir a Bienal do Livro sai caro”, conclui.

 

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